Ce texte est le témoignage d’une Brésilienne qui vit au quotidien la mutation des libertés au Brésil depuis l’élection de Jair Bolsonaro. Pour préserver sa sécurité, elle préfère garder l’anonymat et signer son texte de la lettre T... Comme têtue! (Dans un autre article, nous publierons son texte en français, ndlr)
Este texto é o testemunho de uma mulher brasileira que vive a mudança diária das liberdades no Brasil desde a eleição de Jair Bolsonaro. Para preservar sua segurança, ela prefere permanecer anônima e assinar seu texto da carta T ... Como teimoso!
Talvez eu devesse começar com uma bela frase de um grande poeta brasileiro. Mas, pelo bem de nossa amizade recém começada, vamos dizer que no mínimo os poetas brasileiros não estão tão bem cotados em seu próprio país. Então começo com uma frase minha em inglês para dar mais credibilidade ao que quero dizer: Make your heart beat again. Faça seu coração voltar a bater. É isso que mais me vem à cabeça em tempos de irracionalidade e ódio sombrio. Entretanto, podemos aprender grandes lições com o ódio. Hoje , 15 de janeiro de 2019, fui assistir a um filme de Spike Lee, Infiltrados na Klan (Blackkkansman). A história, inspirada por fatos reais trata da missão de Ron Stallworth, primeiro policial negro de seu estado, que conseguiu se infiltrar na Ku Klux Klan, me fez refletir sobre as nuances do ódio.
E me fez lembrar de alguns escritos pessoais de quando ainda tinha uns vinte e muito poucos anos. Sofri preconceito em minha experiência europeia de sonho. Incrível como meus escritos são muito mais sábios do que o eu de agora. Escrevi: “Me recuso a abandonar meus objetivos, mas, mais ainda, me recuso a ser igual ao meu agressor.” E lembro como se fosse ontem das minhas reações. Disso me lembro bem. Chorava só no quarto, mas diante deles… mantinha minha cabeça erguida. Continuava a frequentar as aulas e a trabalhar. Perdi peso. Chorava só no quarto. Não sabia, até assistir ao filme de Spike Lee, que tipo de força interior meu eu mais jovem tinha que me mantinha firme.
Era mais do que resignação. Era uma reserva de forças. Era engolir a seco. Era jogar no sistema para incomodar. Assim como disse o chefe de Stallworth durante sua entrevista de admissão para o corpo policial: “Se te chamarem de tiziu, neguinho, tição… você está pronto para dar a outra face?”
Meu eu mais jovem estava. O de hoje tem de aprender com aquela jovem que em sua ingenuidade compreendeu a gravidade da situação. Dar a outra face é se preservar ao não responder. É guardar forças e desviar da agressão crua e nua. Ao virarmos o rosto para levar o outro tapa, podemos ver algo que nos dá força para reagir. Mas reagir no sentido da palavra mesmo: agir novamente.
O problema é: como agir novamente? A militância e o desespero caminham juntos. É desesperador ver que o trabalho de gerações e gerações se perde em alguns anos em meio a mentiras, escárnio e falta de sangue no olho de seu próprio povo. Ouvir frases e absurdos dos quais eu nunca tive memória da boca de nossos supostos exemplos nacionais se junta facilmente a minha personalidade explosiva e sensível e pronto. O pacote explodiu.
Uma vez alguém me falou sobre racionalizar o ódio. É isso que te faz diferente do teu opressor. Era o que o eu mais jovem sabia fazer. Eu sabia fazer o coração pulsar de novo a cada parada dolorosa que ele sofre. Dar a outra face é racionalizar o ódio. Assim como Ron Stallworth fez. Claro que temos nossos deslizes: momentos em que sentimos nojo de membros da família quando vomitam absurdos, brigar com amigos em seus momentos de fúria… O que te faz diferente do teu agressor nesses momentos? Não cuspir literalmente em seus familiares, pedir desculpas aos colegas, assistir a um bom filme e racionalizar o ódio. Devemos refletir sobre nós mesmos e sobre como podemos ser úteis para o lugar em que vivemos.
Ler é útil.
Escrever é útil.
“Il faut lire !”, diz Daniel Penac.
Temos que ler.
Mas também é preciso reaprender a ler e a nos ler. Podemos começar lembrando que, por trás de todo texto, tem alguém que tenta te convencer de algo. Quero te convencer, caro leitor, de que o ódio racionalizado é (im)pulso calado na noite. É (im)pulso. Ele vem de dentro para aflorar e nos manter caminhando.
Falta a nós (im)pulso. Falta se reler e reler o outro. Falta paixão.
Retiro o que acabo de escrever. Não falta paixão. Falta um paixão (im)pulsionada. Na falta dela, vence a paixão que fere e machuca ao próprio ser e aos que estão ao seu redor. Pessoas acabam sendo cooptadas por discursos de ódio extremos, radicais: “Esquerda ou direita?”, “Centro jamais!”. Sempre detestei o centrão pronto a trair cidadãos para manter seus traseiros enormes em seus assentos parlamentares. Esses não reagem. É um teatro. Fingem que agem.
Mas há um meio ao qual tenho recorrido. É o meio da ponderação e do equilíbrio. Nele se vê esquerda e direita. E temos que caminhar trôpegos pelo muro. Pendemos para um lado e para o outro. Mantenha o equilíbrio. Na hora de cair, caia para o lado daquele amigo que vai te dar a mão. Não do que vai te chamar de burro, desqualificado, doutrinador e fraquejada. Voltemos ao início: caia do lado do coração.
É pra lá que o (im)pulso te leva.
Caia do lado do coração. O Stallworth de Spike Lee, que não é o mesmo Stallworth real - é preciso explicar o óbvio hoje em dia - , foi confrontado por suas escolhas por sua namorada: “Você não pode ser americano e negro. Tem que escolher.” Como se escolhe entre dois dos (im)pulsos mais fortes que nos definem?
Como se escolhe entre seu reflexo no espelho e seu país quando os dois estão fundidos em você. É o “ame-o ou deixe-o” saído da boca de alguém que não esperamos. Para ilustrar esse conflito, trago mais uma influência americanizada para ganhar credibilidade entre meus semelhantes. Chuck & Mac em sua canção Powerful love:
I guess I'm a prisoner, and you got the key, baby.
I know I'll never be happy, till you love me, and set me free.
So, baby, try it my way, oh, and please,
Don't make me wait too long,
Because I love you
With a love so powerful.
Oh, so powerful
Well, I love you
With a love so powerful!
Oh, so powerful, that it's wrong.
Somos prisioneiros de nosso lugar. Temos raízes nele, mas ele não é nossa sepultura. Muito pelo contrário. Queremos ser amados pelo que somos no lugar que nos criou. Essa é a chave. Nunca se encerrará a memória de traumas e violências contra nós mesmos enquanto as incendiarmos de quatro em quatro anos, ou a cada novo comentário destrutivo em redes sociais. Se o Brasil não nos amar de volta não vai nos libertar nunca das amarras de uma paixão doentia pela imagem de pátria mãe gentil que não existe. Vamos continuar caçando a nós mesmos.
A paixão cega tem que virar (im)pulso para sairmos do estado de selvageria e violência no qual somos manipulados para destruir a nós mesmos e a nossos semelhantes. Vamos cortar as cordas desses marionetes, Brasil.
Me liberta, pátria mãe gentil. Me deixa ir além de você, sabendo que meu solo é forte quando eu precisar voltar.
Por favor, me ama de volta. E não demora. Meus pais já choram pelo trabalho de mais de três décadas que foi jogado fora.
Eles sabem o que é o amor que vem do (im)pulso. Esse amor persevera, luta e espera. Espera e trabalha. Trabalha mais do que espera. Trabalha em escolas, praças, muros, canções e poemas.
Lê e trabalha.
Trabalha, escreve.
Pensa e sente antes de falar.
Esse era o amor que o Ron Stallworth sentia por seu país. Antes de incitar a guerra interna e externa, lembrar que você só quer ser amado de volta. E que você vai lutar e esperar até que aconteça.
“Um amor tão forte assim chega a ser errado”, diz a canção de Chuck & Mac.
E é. Um amor menos ingênuo e mais empático é muito errado.
Errado para quem?
Make your heart beat again.
Rest in Power.
Thank you, Spike Lee.
T.
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